segunda-feira, 13 de julho de 2009



Casariam ou não?

Essa foto tirada num dia chuvoso na praia de Copacabana sempre me faz pensar que sim, que se casariam. Olímpico e Macabéa se casariam e viveriam felizes em suas insignificâncias, para todo o sempre e para glória de Deus, embora isso fosse pouco provável:
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As poucas conversas entre os namorados versavam sobre farinha, carne-de-sol, carne-seca, rapadura, melado. Pois esse era o passado de ambos e eles esqueciam o amargor da infância porque esta, já que passou, é sempre acredoce e dá até nostalgia. Pareciam por demais irmãos, coisa que – só agora estou percebendo – não dá pra casar. Mas eu não sei se eles sabiam disso. Casariam ou não? Ainda não sei, só sei que eram de algum modo inocentes e pouca sombra faziam no chão.
Não, menti, agora vi tudo: ele não era inocente coisa alguma, apesar de ser uma vítima geral do mundo. Tinha, descobri agora, dentro de si, a dura semente do mal, gostava de se vingar, este era o seu grande prazer e o que lhe dava força de vida. Mais vida do que ela que não tinha anjo de guarda.
Enfim o que fosse acontecer, aconteceria. E por enquanto nada acontecia, os dois não sabiam inventar acontecimentos. Sentavam-se no que é de graça: banco de praça pública. E ali acomodados, nada os distinguia do resto do nada. Para a grande glória de Deus.
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Não me lembro bem o que aconteceu com Olímpico, acho que ficou com a colega de trabalho de Macabéa, que morreu atropelada - Macabéa morre atropelada, não a colega de quarto - atropelada e feliz, como aquele outro homem que se distraiu ao atravessar a rua após provar a Deus que ele não existia - Deus não existia, não ele. Mas isso é assunto para um outro post.
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[A Hora da Estrela / Clarice Lispector]

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